“Tenho ainda muitas coisas
a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora” (Jo16,12)
Neste
domingo (12.06.22), a Igreja celebra a Festa da Santíssima Trindade. Parece que
celebramos algo estranho e distante de nossa compreensão. No entanto, a festa
da Trindade nos mobiliza para uma nova maneira de viver e de nos
relacionar com o Deus de Jesus, cuja presença preenche o cosmos, irrompe na nossa vida,
habita criativamente no interior de cada um de nós e é vivido em comunidade.
É
preciso deixar claro que o Mistério da Trindade não é um enigma a ser
decifrado, ou seja, como conjugar três “individualidades” em uma Unidade, mas é a
proclamação de que “tudo é Relação”. A Trindade não é uma especulação teórica sobre três pessoas “abstratas”
em Deus, mas a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de
si, de uma maneira “redentora”, inserindo-se na história da humanidade.
Assim,
a Trindade não é uma simples verdade para crer, mas a base de
nossa experiência cristã. O dogma trinitário quer expressar o mistério da Vida mesma de Deus que nos é
comunicada.
Foi
a experiência cristã da ação salvadora de Deus por meio de Jesus Cristo e no
Espírito Santo que deu existência à doutrina trinitária. Deus não é
solidão, mas comunhão perfeita, pois “Deus é Amor”. Eis aí a grande revelação
que Jesus nos trouxe: a essência de Deus é Amor em estado puro. Então, Deus não
poderia fazer outra coisa senão amar. De fato, o amor não existe se não for
movimento, reciprocidade, dom, acolhida, relação e comunhão.
Não
podemos definir Deus. Só podemos nos aproximar da essência de Deus afirmando
que Ele é relação, comunidade, partilha, comunicação, intercâmbio, comunhão....
Agostinho afirmou que no Amor se encontram três realidades: o Amante, o Amado e o mesmo Amor.
“Deus
é Amor”, circulação eterna e infinita de amor, na qual o Amante, o Amado e o
Amor se relacionam tão intensamente até “transbordar-se” na criação do
universo. A Criação é transbordamento do Amor trinitário e o ser humano é
“morada” das Três Pessoas Santíssimas.
A
Trindade evoca um Deus cuja essência é caracterizada por um movimento eterno em
direção a nós, em um amor redentor. Somente na medida em que formos capazes de amor, poderemos conhecer o Deus
comunidade, ou seja, comunhão de Pessoas.
Esta
é a essência do Evangelho. A melhor notícia que um ser humano podia receber é
que Deus não o afasta de seu Amor. A Trindade nos ensina que só vivemos quando com-vivemos.
A
Bíblia nos fala de um Deus amor; amor pessoal, porque ama a cada um de nós;
amor total, universal, que não exclui ninguém; amor preferencial, porque se
inclina para o frágil; amor comunitário, porque em si mesmo não está só, senão
que é comunidade e gera comunidade entre os seres humanos.
Deus
é Amor e só amor. Percebemos, então que, incompreensível não é Deus,
mas nossa resistente e limitada capacidade de contemplar com profundidade essa Presença
que se manifesta, permanentemente, em nossa vida e na Criação inteira.
Deus
nos fez amor para o mútuo encontro, para a doação, para a comunhão...
Fomos
criados “à imagem e semelhança” do Deus Trindade, comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espírito Santo). Quanto
mais unidos somos, por causa do amor que circula entre nós, mais nos parecemos com o Deus Trindade. “Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é perfeito” (1Jo. 4,12)
Deus
colocou em nossos corações impulsos naturais que nos levam em direção ao convívio, à cooperação, à acolhida, à solidariedade... “Só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.
Aqui
está a grandeza e a dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança do Deus Trindade. E é fácil intuir isso: sempre
que sentimos o dinamismo de amar e ser amados, sempre que sabemos acolher e
buscamos ser acolhidos, quando compartilhamos uma amizade que nos faz crescer,
quando sabemos doar e receber vida..., estamos saboreando e visibilizando o
“amor trinitário” de Deus. Esse amor que brota em nós tem n’Ele sua fonte.
O
amor intra-trinitário não é um amor excludente, um “amor egoísta” entre três. É
amor em excesso que se difunde e se expande em todas as criaturas. Por isso,
quem vive o amor inspirado pela Trindade, aprende a amar a quem não lhe pode
corresponder, sabe doar sem esperar recompensa, sente uma grande paixão pelos
mais pobres e pequenos, é capaz de entregar sua vida para construir um mundo
mais amável e digno.
Por
outro lado, quem é incapaz de dar e receber amor, quem não sabe compartilhar
nem dialogar, quem só escuta a si mesmo, quem resiste relacionar-se com os
outros, quem só busca seu próprio interesse, quem só deseja o poder, a
competição e o triunfo, não pode experimentar nada da Trindade amorosa.
O
ser humano não é feito para viver só; ele é chamado a viver em comunhão com todas as pessoas;
Como
homem e como mulher trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós
mesmos” e
criar laços, construir fraternidade, fortalecer a comunhão. Fomos feitos para o
encontro e a comunicação.
Não
fomos criados para viver sós; necessitamos con-viver,
viver-com-os-outros, encontrar-nos; é essencial descobrir o sentido e a
vivência do encontro relacional com os outros, na vida familiar, na fraternidade, na
sensibilidade social para com o diferente e o excluído.
O
sentido da vida em comum com os outros é um dom de Deus; afinal, fomos criados
à imagem do Deus “encontro intra-trinitário”.
A fraternidade, a vida em comum se mede pelo amor, por atos e
gestos de doação, por vivências de comunhão, por experiências de partilha do
mesmo ser, da mesma vida, da entrega mútua gratuita...
O amor é olhar o outro com olhos tão limpos, bondosos,
desinteressados, tão profundos... que só desejo que o outro seja o que é... Alegro-me de
vê-lo assim, tal como é...
O
dogma da Trindade, portanto, não só nos revela como Deus é para nós; é também revelação de
quem somos nós, ou seja, portadores do impulso relacional que se
manifesta na nossa capacidade de amar.
Se
Deus é relacionamento amoroso perfeito e nós somos criados à sua imagem e
semelhança, então a doutrina da Trindade está preocupada com a nossa vida
também. Somos convidados pela graça divina a entrar neste fluxo de relação que
define o próprio ser de Deus.
O Deus de Jesus não é uma verdade para
pensar, mas uma Presença a ser vivida. Não é um ideia para quebrar nossa cabeça, mas a
base e fundamento de nossa vida.
Uma
profunda vivência da mensagem cristã será sempre uma aproximação ao mistério
Trinitário.
Será,
em definitiva, a busca de um encontro vivo com Deus. Não se trata de demonstrar
a existência da luz, mas de abrir os olhos para vê-la. O verdadeiramente
importante foi sempre a necessidade de viver essa presença do Deus, comunhão de Pessoas,
no interior de cada ser humano.
Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galiléia, é o melhor e
único ponto de partida para reavivar uma fé simples no Deus Comunidade de
Pessoas.
Texto bíblico: Jo 16,12-15
Na oração: A Trindade não é hóspede; é a essência do ser humano; o
modo de viver de uma pessoa é revelador de quem habita seu interior; uma pessoa
compassiva, aberta, acolhedora... é sinal de que é habitada pela Trindade
amorosa.
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Quem perde o caminho de sua interioridade, distancia-se da Trindade que é Vida
e passa a viver a cultura da morte, deixando transparecer o ódio, a violência,
o preconceito, a injustiça... como modo petrificado de ser.
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Qual é a Presença que determina sua vida: a Trindade Santa ou os dinamismos
diabólicos (forças que dividem)?
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte: centro loyola.org.br
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