UM DOS PARADOXOS PARA A FÉ CRISTÃ
A
verdade que deveria afastar o medo é a que o cria e luta contra ele Foto
(Pixabay)
Pretensão da verdade absoluta e o
medo são temas que assombram o cristianismo durante muito tempo
Fabrício Veliq*
É muito comum no meio
cristão as ideias de que se faz necessário “defender a verdade” como se ela
fosse certo tipo de discurso pronto e que somente as pessoas cristãs estariam
de posse dela.
Ao mesmo tempo,
constantemente, tem-se o medo de que determinadas “forças do mal” estejam
lutando contra essa única verdade (que, para tais pessoas, é justamente a do
discurso cristão), sendo necessário, portanto, defender “com unhas e dentes” a
fé cristã, mesmo que para isso tenha que se ter atitudes não cristãs.
Com isso em mente, é
possível perceber que a pretensão da verdade absoluta e o medo são temas que
assombram o cristianismo durante muito tempo e, infelizmente, eles têm voltado
com força em nossa sociedade brasileira com o discurso dos “cidadãos de bem”,
contrários, obrigatoriamente aos “cidadãos do mal”.
Os cidadãos de bem,
curiosamente, dizem-se como porta-vozes da verdadeira religião, da que possui
uma verdade maior do que as outras e, por este motivo, legitimada a perseguir e
destruir as religiões que não compartilham dos mesmos referenciais teóricos que
ela, por medo de que tais religiões ou formas de pensamento possam, de alguma
maneira, acabar com os valores cristãos da sociedade brasileira.
De alguma forma,
podemos dizer que a pretensão da verdade absoluta gera o medo com relação a
tudo aquilo que pode, assim, ameaçar a esta pretensa verdade absoluta, o que
por si só já revela o próprio paradoxo de uma religião que é baseada nessa
pretensão e no próprio medo. A verdade que deveria afastar o medo é a que o cria
e luta contra esse mesmo medo que ela levantou.
Que isto esteja longe
de um cristianismo que segue o exemplo de Jesus Cristo deveria parecer claro
para todo leitor e toda leitora do texto bíblico. Ao mesmo tempo, deveria ser
claro que a proposta cristã nunca foi a da violência, mas, muito pelo
contrário, o da tolerância e da compreensão para com os pensamentos que são
divergentes.
O caso dos dois
discípulos que quiseram fazer parar alguém que expulsava demônios em nome de
Cristo e não andava com eles deixa muito clara qual a postura de Jesus, ou
seja, a de deixar ir, “porque não há ninguém que faça o bem em meu nome e
depois possa falar mal de mim”. O Cristianismo é chamado à tolerância
justamente porque Deus é tolerante para conosco.
Diante disso, porém,
pode surgir uma pergunta: devemos, todavia, tolerar tudo, até mesmo o
intolerante? A resposta a essas duas perguntas, claramente é não. Uma das boas
explicações para isso foi desenvolvida por Karl Popper, sendo conhecido como o
paradoxo do tolerante.
Em seu argumento,
Popper afirma que não devemos tolerar os intolerantes, porque tolerá-los
implica dar a eles a oportunidade de assumir o poder e, uma vez assumindo o
poder, esses intolerantes destruirão todos os tolerantes, acabando assim, com a
própria tolerância. Desta forma, não se deve tolerar os intolerantes de maneira
alguma.
Nas palavras de
Popper:
"Menos
conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada leva ao
desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo
para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a
sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes
serão destruídos, e a tolerância junto destes".
Pensar a tolerância, o
medo e a pretensão de verdade absoluta é tarefa urgente para o cristianismo
contemporâneo que inúmeras vezes continua a viver em um infinito looping de
geração de medo devido à pretensão de verdade absoluta e a luta contra este
medo com as armas da intolerância.
DomTotal
*Fabrício Veliq é protestante e
teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em
Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG). É coautor do livro: Teologia no
século 21: novos contextos e fronteiras. Editora Saber Criativo. E-mail:
fveliq@gmail.com. Site: www.fabricioveliq.com.br.
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