“Mestre, tem compaixão de
nós!” (Lc
17,13)
“...atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe
agradeceu” (Lc
17,16)
Jesus
está a caminho, quase chegando à etapa final da viagem: Jerusalém. A estrada é a vida e a missão de Jesus,
enviado para revelar o rosto misericordioso de Deus aos homens. A sua estrada é
marcada pela solidariedade e cuidado para com os mais excluídos e sofridos.
Entre
Jesus e aquela estrada, que conduz a Jerusalém, há uma relação vital: Ele é o
“autor” daquela estrada; Ele é a estrada do cumprimento da vontade de amor e de
salvação do Pai; Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Essa estrada deverá ser a mesma também dos
discípulos, a do seguimento, a que conduz à Cidade santa, à plena
bem-aventurança. Um Caminho que faz viver e realiza a comunhão em
plenitude.
Logo
que Jesus entrou na aldeia, “dez leprosos” foram ao seu encontro. Pela narração do evangelista,
temos a impressão de que não há mais ninguém na cena: Jesus parece estar
sozinho com os leprosos. A aldeia se apresenta surpreendentemente vazia. É
óbvio, os leprosos deviam estar separados e longe de todos.
Na
verdade, a lepra era entendida como manifestação de uma condição de pecado.
Os
leprosos, embora mantivessem a devida distância, vão ao encontro de Jesus,
gritando.
Aqueles
pobres miseráveis O buscam como o “misericordioso”: “Jesus,
mestre, tem compaixão de nós!”.
É
uma oração surpreendente, na qual o homem de Nazaré é chamado pelo próprio
nome.
Jesus,
por sua vez, pousa sobre eles o seu “olhar” e os envolve com tanta atenção e sedução, que os dez não hesitam,
nem um momento sequer, em pôr em prática, com confiança, a ordem que lhes foi
dada: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Assim, Jesus se põe com eles na
estrada da esperança, na estrada da experiência da solidariedade que cura e os
acompanha, mesmo de longe, até aos sacerdotes.
A
recuperação da saúde deles se torna também re-inserção na sociedade, no espaço
familiar e na comunidade religiosa. Eles não serão mais rejeitados.
Dois
sentimentos nobres são des-velados no relato deste domingo: a compaixão e a gratidão.
Dois
sentimentos que se expressam como duas atitudes básicas na vida; por um lado,
revelam a maturidade da pessoa e, por outro, tornam possível uma convivência
harmoniosa e construtiva.
Mas,
como toda arte, tais atitudes requerem um cuidado expresso e cotidiano. A
partir do contexto e da situação em que cada um se encontra na vivência destes
sentimentos nobres, sempre é possível dar passos nessa dupla direção,
favorecendo conscientemente ser compassivos e agradecidos.
Considerados
pecadores e condenados ao ostracismo, afastados de qualquer convivência social
e de todo contato humano, com proibição expressa de se aproximarem de qualquer
pessoa, os leprosos padeciam, esperando a morte, em colônias mais ou menos
numerosas.
Compreende-se
que, nessa situação, clamassem por compaixão. O ser humano sempre precisa que os demais “se coloquem
em sua pele”, compreendam sua situação e seu comportamento. Mas essa
necessidade se faz mais aguda quanto mais frágil e vulnerável se sente.
Esse
é o significado profundo do termo “compaixão”: sentir com o outro e agir como
consequência, buscando uma solução para a situação de extrema necessidade.
Jesus
vive uma contínua travessia e sai ao encontro dos oprimidos e excluídos de todo
tipo. Preocupa-se com todos os que encontra em seu caminho, sobretudo aqueles
que estão atrofiados em sua vida. Sem a compaixão de Jesus, o relato seria
impossível.
É
da margem da exclusão que brotam os clamores por compaixão; e Jesus, com sua
sensibilidade ativada, deixa-se afetar pelos gritos dos excluídos.
Os
leprosos pedem compaixão a Jesus. Desejam ser compadecidos, perceber que sua
desgraça não passa desapercebida e sentir o calor da compreensão de alguém
significativo e com autoridade. Novamente, Jesus revela que só a compaixão não
é suficiente e que permanecer na esfera dos sentimentos não soluciona o
problema. Requer-se uma ação que ajude à pessoa a recuperar sua dignidade. Esta
é a chave da misericórdia, ou seja, colocar o coração-ação na miséria humana e
restaurá-la a partir de dentro.
A gratidão, por sua vez, tem a ver com nosso ser
essencial, pois ativa o que há de melhor em nós.
Ela
nasce do nosso eu profundo e flui por todos os membros, passa por todos os
poros do nosso corpo. Não deixa sem tocar nenhuma parte do nosso ser. Abarca
tudo o que somos e desperta o melhor que possamos imaginar ou que possamos
aspirar.
No
evangelho de hoje é, precisamente, alguém vindo de fora, desprezado pelos de
dentro, o único que sabe reconhecer o dom recebido de Deus, dando uma magistral
lição àqueles que não souberam agradecer.
Só
um retornou para dar graças; só um se deixou levar pelo impulso vital da
gratidão. Os outros nove (supõe-se que eram judeus), se sentiram na obrigação
de cumprir o que a lei mandava: apresentar-se ao sacerdote para que lhe
declarasse puro e pudesse ser reintegrado à sociedade. Para eles, voltar a
fazer parte da instituição religiosa e social era a verdadeira salvação. Os
nove voltam a submeter-se ao abrigo da instituição: vão ao encontro com Deus no
templo e nos ritos. O Samaritano, no entanto, sentiu ser mais urgente voltar
para agradecer. Foi aquele que se deixou conduzir pelo coração, porque, livre
das ataduras da lei, se atreveu a expressar sua vivência profunda. Este,
encontra a presença de Deus em Jesus. É mais importante responder vitalmente ao
dom de Deus que o cumprimento de alguns ritos externos.
Pois,
foi Deus mesmo quem, ao criar-nos gratuitamente no amor, nos ensinou a “sermos
gratuitos e gratos”.
A gratidão é um sentimento que enriquece
as relações e eleva o “tom vital” da pessoa agradecida. Quem vive a gratidão
manifesta um dinamismo aberto, cordial e animoso, praticamente imune ao
desalento.
A
gratidão nasce da vivência da gratuidade e caminha de mãos dadas com a
aceitação de que tudo é dom. Quando se percebe que tudo é graça, não se pode
viver sem agradecimento. E quando se vive em sintonia com a realidade, é
possível dar graças por tudo o que dela provém, pois tudo traz uma mensagem e
uma oportunidade.
O
oposto ao reconhecimento da gratuidade é o narcisismo exigente e
auto-referencial que se considera com “direitos” frente a tudo, numa postura
egocentrada, incapaz de sair e si e dar valor ao que recebeu. A gratidão
possibilita fluir com a vida, permitindo que se expresse livre e adequadamente
através de nós.
A
gratidão é uma arte que pode ser alcançada na medida em que é ativada. E o
melhor caminho para isso é “dar graças” por tudo. Tudo é graça, de graça; somos
seres agraciados, cheios de graça...
Cabe
a nós, enquanto seguidores de Jesus, pensar-sentir agradecidamente e ter gestos
de gratuidade.
Cabe
a nós falar agradecidamente. A expressão “muito obrigado” é das primeiras que
se aprende quando alguém se inicia em outro idioma. Ser agradecido se aprende
agradecendo e tudo se pacifica quando o “gratuito” marca a pessoa por inteiro.
A
vida nova vem da vida recebida e partilhada; ela nos coloca acima do êxito e do
fracasso, pois está no nível da gratuidade.
Texto bíblico: Lc 17,11-19
Na oração: Criar um clima de ação de graças. Tudo é Graça.
Ponderar com muito amor tudo o que o Senhor fez por mim, por meio dos outros, da Criação e de minha história passada e presente. Como Ele me cumula de seus próprios bens. Tudo é dom de Deus; tudo foi criado por amor para mim (Deus providente).
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
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