Está
em curso uma terceira guerra mundial “em pedaços”, afirma reiteradamente o Papa
Francisco, explicando, na Carta Encíclica Fratelli Tutti – sobre a amizade
social: há uma luta de interesses em que todos se colocam contra todos. Nesta
luta, vencer se torna sinônimo de destruir, inviabilizando o levantar a cabeça
para reconhecer o vizinho, ou ficar ao lado de quem está caído à beira da
estrada. E, assim, pela força do ódio, que vai tomando o lugar do amor, da
gratidão e do bem, instaura-se uma insana batalha, onde se busca destruir,
inescrupulosamente, até mesmo a reputação alheia. Equivocadamente, pensa-se que
essa destruição pode significar uma “escada” para a autopromoção. Esse tipo de
pensamento não é novidade e acompanha o ser humano em todos os tempos.
Talvez, o que vem mudando sejam os instrumentos para atacar a moral do
semelhante, especialmente em razão das facilidades oferecidas pelo campo
tecnológico. Mas, ao se reconhecer que a busca pela destruição do próximo é
problema histórico, constata-se: a humanidade é permanentemente chamada a
protagonizar a fraternidade.
Para
os cristãos, protagonizar a fraternidade é possível quando se reconhece a
centralidade de Cristo Jesus, Mestre e Senhor, na vida e na história. Nessa
centralidade reside o desafio de se respeitar diferenças, tornando-as sempre
uma riqueza. Isto significa jamais seguir o caminho da destruição. Assim,
quando se considera a sociedade contemporânea, a fé cristã, por sua força de
correção, pode indicar caminhos e dinâmicas no processo de iluminação da
cidadania e na organização política. Mas é preciso absoluto respeito aos
princípios que permitam reconhecer a distinção entre o campo da política e a
vivência da fé. Quando não há clareza sobre as fronteiras de cada campo,
corre-se o risco de um desvirtuamento da fé, impedindo-a de ser o luzeiro que
orienta direções, promove reconciliações e até a relativização de escolhas,
especialmente daqueles que se apresentam como “donos da verdade”.
A
fé não pode ser reduzida a instrumento para embates no campo político, pois a
sua vivência autêntica dissipa a busca pela destruição do outro, reconfigurando
discursos e escolhas. A fé cristã tem propriedades específicas com dinâmicas
experienciais fortes, capazes de alertar sobre o perigo de semear o ódio, de
convencer a respeito da honestidade, que faz parte da vocação de toda pessoa
para promover a bondade, o bem comum e uma ordem social justa. Cristãos
autênticos não buscam destruir. (Re)constroem com a força da verdade, com
a primazia do bem e do respeito moral. O ódio é perigoso e estará sempre na
contramão da verdadeira fraternidade ensinada por Jesus. Fraternidade é, pois,
o grande investimento a ser feito para efetivar o bem, com a correção de rumos
e com a reabilitação da verdade. Sem esse investimento, prevalece um “vale
tudo” ensandecido, com ataques a pessoas, instituições, povos e nações.
Perde-se a razoabilidade mínima, gera-se descrédito, pois disseminam-se
afirmações e informações distantes da verdade, obscurecendo mentes e corações,
para se alcançar propósitos a qualquer preço.
O
ódio cega, traz justificativas para atitudes inconsequentes, até mesmo quando
reputações e vidas estão em jogo. No caminho do ódio, torna-se perdedor não
somente adversários e a sociedade, mas, também, aquele que investe na
destruição, em nome de um êxito ilusório. O Papa Francisco adverte a respeito
do comum mecanismo político contemporâneo de exasperar, exacerbar e polarizar.
Um método para negar ao outro o direito de existir e pensar de modo diferente.
A partir desse mecanismo, recorre-se à estratégia de ridicularizar e de
insinuar suspeitas a respeito de condutas, buscando impor um tipo de repressão
àqueles com quem se diverge. Um recurso fundamentado no ódio, que manipula e
acirra a revolta. Um grave equívoco, pois a verdade sempre prevalece. O bem
sempre vence o mal.
Quem
se deixa inocular pelo veneno do ódio age em clara oposição à autenticidade da
fé cristã. E pode-se correr o sério risco de não se perceber agente do desamor,
quando, dentre outros aspectos, deixa-se escravizar pelo mundo obscuro do
mercado, da idolatria do dinheiro e, até mesmo, de uma baixa autoestima.
Ilusoriamente, tenta-se reagir, buscar reconhecimento, pisando nos outros, com
mecanismos de desmoralização. Quem procura construir a própria reputação a
partir desses mecanismos não será reconhecido por sua relevância, ou verá, a
seu tempo, a própria imagem desmoronar, esvaindo-se feito um castelo na areia.
Por isso mesmo, há tanto descrédito em relação à autoridade política, pois
muitos que ocupam as instâncias do poder não priorizam a missão de edificar e
promover a cidadania. Ao invés disso, atuam a partir dos mecanismos de
desmoralização, buscando simplesmente destruir pessoas com perspectivas
divergentes.
O
horizonte cristão investe no protagonismo da fraternidade – inegociável recurso
para um qualificado serviço à sociedade, à promoção da vida como dom de Deus a
cada pessoa, sem exceção. Todos, indistintamente, merecem respeito. Oportuno é
sempre se recordar de um princípio proclamado pelo apóstolo Paulo: a plenitude
da lei é o amor. O amor que vence todo tipo de ódio. Na tarefa de impulsionar o
bem comum, os cristãos, ao lado de dos homens e mulheres de boa vontade, por
vocação e missão, devem sempre, e cada vez mais, protagonizar a fraternidade.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Fonte: Centroloyola.org.br
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