Imagem:
James Tissot
“Então, ele correu à
frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali” (Lc 19,4)
O
Evangelho revela um mundo povoado por encontros e desencontros, numa rica variedade. Jesus se encontra com amigos e
opositores, ricos e pobres, homens e mulheres, indivíduos, grupos e multidões,
Deus, seu Pai. Algumas vezes é Ele quem toma a iniciativa para o encontro, e
outras vezes são os outros que o encontram, pois já o estavam buscando ou se
cruzam com ele casualmente.
Seus
encontros e desencontros tem lugar no interior das casas, nas sinagogas e
inclusive no templo, mas também no caminho e ao ar livre, no campo e à
beira-mar, andando, sentado, de pé, numa barca ou num monte. O lugar de
encontros e desencontros acaba sendo a vida, e nenhum de seus espaços fica à margem. Jesus se encontra e se
deixa encontrar a partir de carências humanas, necessidades e desejos,
insatisfações, marginalizações e irregularidades.
Jesus,
com sua presença inspiradora e provocativa, transforma os espaços de encontro,
mudando seu sentido, de forma que qualquer lugar é lugar adequado para estar
com Ele, ao seu lado ou à sua frente.
Os
encontros, além disso, são progressivamente inclusivos e reveladores do ser
humano: quem se encontra com Jesus ou é encontrado por Ele fica a descoberto,
desvela seu interior e mostra quem é no fundo de si mesmo. Por outro lado, os
encontros contribuem também para clarificar a identidade de Jesus. Revelam quem
e como é Jesus. E desvelam quem é e como é cada um.
Essa
é a nossa vocação enquanto seguidores(as) de Jesus: converter a “indiferença” em “encontro”, o diferente em convidado, o
estranho em amigo, e criar o espaço livre e sem medo, no qual a fraternidade
pode ser experimentada em plenitude.
Na
realidade, aqui se trata de um movimento expansivo onde se dá a travessia da indiferença ao encontro. Tal passagem é repleta de
dificuldades: nossa sociedade é marcada pela presença de pessoas temerosas,
defensivas e agressivas, agarrando-se ansiosamente ao seu modo fechado de
viver, inclinadas a olhar ao redor com suspeitas, sempre à espera de que um
inimigo apareça de repente e cause algum dano.
A indiferença e a hostilidade campeiam nas redes sociais e a
xenofobia circula como um veneno: daí a agressividade preconceituosa no campo
político-social-religioso-racial-sexual... De fato, ultimamente, os
“estranhos” e “diferentes” tornaram-se mais sujeitos à hostilidade do que à
hospitalidade: protegemos nossas casas com cães e trancas duplas, nossos
edifícios com vigilantes, nossos colégios com guardas, nossas estradas com
policiais, nossos aeroportos com seguranças, nossas cidades com polícia
armada...
Nosso
coração pode querer ajudar os outros e mostrar simpatia para com os pobres,
solitários, rejeitados, minoritários...: no entanto, rodeamo-nos com um muro de
medo e de sentimentos hostis, evitando instintivamente pessoas e lugares que
possam nos lembrar de nossas boas intenções.
Em
um mundo tão competitivo, mesmo pessoas próximas, como colegas de classe, de
equipe, de trabalho, todos podem ficar infectados pelo ódio e pela hostilidade
quando sentem o outro como uma ameaça à sua segurança pessoal. Muitas
vezes, instituições criadas para oferecer espaço e tempo propícios para o
desenvolvimento dos encontros hospitaleiros (família, escola, religião...),
tornam-se tão dominadas pelo “defensismo” hostil que acabam atrofiando e
bloqueando o melhor que cada pessoa traz em seu coração.
Encontro hospitaleiro não é mudar as pessoas, mas oferecer a elas um
espaço no qual a mudança pode acontecer. Não é trazer homens e mulheres para o
nosso círculo, mas oferecer uma liberdade sem as amarras de linhas divisórias.
A hospitalidade não é um convite sutil para adotar o estilo de vida do anfitrião,
mas a dádiva de uma chance para que o hóspede descubra o seu próprio estilo.
Vamos
contemplar uma cena típica de encontro, no evangelho de Lucas deste domingo. Os
protagonistas da cena, Jesus e Zaqueu, são duas pessoas completamente diferentes entre si, diametralmente
opostas; porém, procuram-se mutuamente.
O
encontro de ambos acontece na estrada, onde caminham, onde ocorrem os acontecimentos do dia a
dia, onde a vida transcorre, onde passam os dias e os anos.
A
agitação, a pressa e o entusiasmo, com os quais se pôs à procura do Mestre,
eram a clara demonstração de que surgira em Zaqueu uma estranha inquietude.
O
nome e a pessoa de Jesus tiraram o véu que encobria o vazio de seu coração, a
solidão na qual se encontrava, a insignificância de seus próprios dias.
Para
saber “quem é Ele” é preciso sair da multidão; Zaqueu não fica
constrangido em subir nos galhos de uma árvore e aguardar; este seu gesto abre
possibilidade para que Jesus o veja, o chame pelo nome e o convide a descer
depressa, pois deseja ficar em sua casa. Situar-se sobre os galhos pode ser um
bom ponto de partida para iniciar um encontro. Mas, Zaqueu não pode permanecer
aí; é como se Jesus dissesse: “Não fique aí,
acima dos outros, no alto de sua vaidade! desça até às raízes de sua vida! o
decisivo acontece nas profundezas de sua casa interior; descerei com você para
cearmos juntos”.
Um
convite que desfaz os medos e as culpas de quem se sabe pecador e que abre um
espaço de esperança, permitindo-lhe uma mudança de vida. Não há no relato
nenhuma palavra de condenação e sim uma certa urgência em “descer depressa”.
Jesus não quer desperdiçar a oportunidade de viver um encontro com aquele que
não podia encontrar-se com ninguém, pois era um explorador. Também Zaqueu não
desperdiçou a oportunidade e recebeu Jesus com alegria em sua casa.
Em
Zaqueu aconteceu uma mudança de perspectiva decisiva, radical. Anteriormente
contemplava os outros a partir dos galhos do próprio ego.
Agora
ele não está mais sozinho e não se sente mais uma pessoa insignificante. O olhar do Mestre de Nazaré encheu-lhe
o coração; a sua casa não está mais vazia; a tristeza não o sufoca mais.
Finalmente, ele descobriu a luz de um olhar e experimentou a ternura de ser procurado e amado.
Não
foi preciso que Jesus dissesse muitas coisas a Zaqueu para que este encontrasse
um tesouro em seu interior, muito maior que todas as riquezas acumuladas; seus
desejos desordenados ficam polarizados por aquele hóspede inesperado que vai
transformar daí em diante sua vida: compartilhar o que tem com os pobres e
devolver com medida generosa aquilo que roubou. O encontro com Jesus faz Zaqueu
alargar seu espaço interior para se encontrar com os outros; ou melhor, amplia
seu coração para deixar os outros entrarem em sua vida. Um encontro que desencadeia
outros encontros.
Zaqueu, um personagem instigante em quem nos vemos; seu modo de proceder
desvela atitudes de todos nós. Quem de nós não precisou afastar-se da multidão
e subir a um lugar mais alto para poder ver por cima dos obstáculos? Há sempre em
nossa vida momentos nos quais, por algum motivo, queremos “ver mais além”,
ampliar nossos horizontes, sair de nossos espaços estreitos e rotineiros. Há
muitas coisas que nos impedem sonhar mais alto, respirar novos ares, ativar o
espírito de busca... Precisamos fazer alto diferente, sermos mais ousados e
criativos...
Os
galhos de uma árvore podem oferecer uma visão mais ampliada da realidade, do
contexto social, mas não podemos permanecer aí; é preciso descer ao chão da
vida; no meio dos galhos não há possibilidade de viver a acolhida e o
compromisso com o outro. Situar-nos sobre os galhos não pode ser uma atitude
permanente. Alguém, lá de baixo, nos apela: “Desça depressa, pois hoje devo ficar em sua casa!”.
Texto bíblico: Lc 19,1-10
Na oração: Todo encontro transformador implica “troca de olhar”. Olhar
para Jesus provoca, convoca, exige descer dos galhos da acomodação, da “zona de
conforto” e tomar posição. Olhar para Ele e ser por Ele olhado implica
disposição, exposição, compromisso para com a mudança. Nada estático,
intimista, mas dinâmico, impulsionador de nova vida, novos envios, nova
missão...
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“Desça, acompanhado(a), à raízes de sua vida”: quais as verdadeiras “riquezas”
alí escondidas?
Pe.
Adroaldo Palaoro sj.
Fonte:centroloyola.org.br
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