“...ficai preparados!
Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24,44)
Estamos
no primeiro dia do Novo Ano litúrgico. Começamos com o Advento, que não é somente um tempo
litúrgico, mas um modo de viver. Trata-se de uma atitude vital que precisa
atravessar toda nossa existência. Não teremos entendido nada da mensagem de
Jesus se ela não nos inspira a viver em constante busca daquilo que já está presente
em nosso interior. O importante não é recordar a primeira vinda de Jesus; isso
é só o pretexto para descobrir que Ele já está presente em nós e na nossa
realidade. Também não se trata de nos preparar para a última vinda, que é só
uma grande metáfora. O importante é descobrir que Ele está vindo neste
instante.
É
preciso re-acender o espírito do Advento, porque estamos adormecidos ou
sonhando com conquistas superficiais, e não assumimos a existência com a devida
seriedade. Tudo o que esperamos de Deus, já o temos dentro de nós.
“Vigiai”, “estai despertos”, “ficai atentos”: são apelos que ressoarão em
nosso interior durante a travessia do Advento. Para ver, é preciso não só ter
os olhos abertos, mas também luz. Não se trata de contra-atacar o repentino e
nefasto ataque de um ladrão. É preciso estar desperto para assumir a vida com
uma consciência lúcida. Trata-se de viver intensamente, para que a vida não
transcorra na esterilidade e no vazio.
Se
permanecemos adormecidos, não acontecerá nada. Isto é o que pode nos causar
medo: transcorrer nossa existência sem desatar as ricas possibilidades de
plenitude que nos foram confiadas. A alternativa não é salvação ou condenação.
Ninguém vai nos condenar. A alternativa é: viver com mais sentido e sabor ou
simplesmente vegetar.
O Advento é tempo para dispor-nos a algo
surpreendente. O que estamos esperando é alucinante, imenso, fora do nosso
tempo rotineiro. Intuímos que nossos olhos foram criados para uma visão mais
profunda, mais humana, mais plena; desejamos ser um pouco mais lúcidos, mais
sensíveis, muito mais corajosos para descobrir a profundidade e a riqueza de
tudo o que acontece ao nosso redor e dentro de nós.
Eis
o mistério: o Esperado traz uma novidade que nos mobiliza e que se revela em
cada gesto de humanidade e em cada fragmento de tempo, deste “kairós” colocado
em nossas mãos.
Tudo
na vida requer preparo, e toda preparação exige empenho e mudança..., envolve
uma espera.
Somos
feitos disso: desejo, súplica, anseio, busca, esperança... No mais profundo de
cada um brota um desejo que nos faz bradar ao Eterno, pedindo ajuda: “Vem, Senhor,
nos salvar! Vem sem demora nos dar a paz!” Tudo aponta para o vazio infinito dentro de nós,
ressoando uma certeza: Ele vem! Ele está vindo em nossa direção!
O
texto do evangelho deste primeiro domingo de Advento pertence ao chamado gênero
apocalíptico. Este gênero literário, recorrendo às imagens e palavras que
parecem catastróficas, se utiliza delas para falar de um futuro que se revela como novidade
radical. Para acolher Aquele que vem ao nosso encontro é preciso romper os
espaços estreitos de nossa vida, alargar o coração, expandir os sentimentos...
Para
além das imagens utilizadas, a intenção parece clara: é um chamado a
“despertar”, “a estar vigilantes”, “a estar preparados”...
Dentro
do mal-estar social persistente que estamos vivendo, há algo muito saldável:
nosso desejo de viver de uma maneira mais propositiva e menos deprimida, mais
digna e menos superficial. O que precisamos é re-orientar nossa vida. Não se
trata de corrigir um aspecto ou outro de nossa pessoa. Agora o importante é ir
ao essencial, encontrar a fonte de vida e salvação.
Não
podemos deixar que o desespero e o desânimo destruam em nós o dinamismo e o
desejo de continuar caminhando dia-a-dia, cheios de vida; não podemos deixar
que a esperança vá se diluindo em nós quase sempre de maneira silenciosa e
imperceptível; não podemos deixar que, sem nos dar conta, nossa vida vá
perdendo cor e intensidade; quando parece que tudo começa a ser pesado e
cansativo, a verdadeira alegria vai desaparecendo de nosso coração e já não
somos mais capazes de saborear o bom, o belo e o verdadeiro que há na nossa
vida.
Apesar
das sombras e sofrimentos causados pela violência social, política e religiosa
que estamos vivendo, o Advento vem “des-velar” (tirar o véu) e ativar os
dinamismos de solidariedade, compaixão, gratuidade... presentes no coração de
cada um. A bondade nos constitui, é da nossa essência O ser humano é criado à
imagem e semelhança de Deus-Amor, amor incondicional e misericórdia sem
limites. O bem e o amor em
nós,
são mais fortes que o mal e o ódio. O que de Deus há em nós é maior que nossa
miséria e limites. Nosso verdadeiro ser é bondoso. Fomos feitos de amor e para
o amor. Se vivemos isso, de verdade podemos ser sal, luz e força, uns para com
os outros, como nos ensina Jesus.
Com
a mente bem aberta, atenta, podemos e temos de analisar o que está acontecendo
conosco, descobrir e compreender suas causas e comprometer-nos com as mudanças
necessárias. Inspirados(as) com a força do Espírito podemos levar adiante as
transformações que se fazem necessárias.
Assim,
o percurso do Advento vem despertar aquela “virtude teologal” tão ausente no
atual contexto social e religioso: a esperança; ela é o recurso secreto do ser humano itinerante. Somos
abertura e, portanto, estamos sujeitos à mudança. A esperança é a guia que nos orienta na
mudança.
Esperar é ousar re-nascer, advir, vir-de-novo, re-começar... na fulgurante
arte de tecer a vida nisso que ela tem de mais íntimo e cotidiano.
Um
canto de fé e de esperança segura: esse é o sentido da existência cristã.
Movidos
por essa esperança, podemos dar sabor à nossa vida, muitas vezes modesta e
simples. Ter esperança é, essencialmente, busca incessante, luta por aquilo que não tem lugar
agora, mas, acredita-se, terá um dia.
A esperança tem suas raízes na eternidade,
mas ela se alimenta de pequenas coisas. Nos pequenos gestos ela floresce e
aponta para um sentido novo.
É
preciso ter a audácia de reinventar o humano; é preciso resgatar a paixão por uma causa irrecusável; paixão pela inconformidade de as
coisas serem como são; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de, procurando
tornar as pessoas melhores, melhorar a si mesmo; paixão, em suma, pelo futuro.
Texto bíblico: Mt 24,37-44
Na oração: “é proibido pecar contra a esperança!”
A esperança tem sempre algo em comum com o desejo. Quem não deseja não pode
esperar.
Desejar é manter-se maduro(a) para a esperança. Sua ausência paralisa, bloqueia, desumaniza...
-
Que esperanças alimentam sua vida neste momento e contexto social tão marcado
por divisões, conflitos, ódios?
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte: centroloyola.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário