“E a estrela, que tinham
visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o
menino” (Mt
2,9)
Mateus
começa e termina seu evangelho dando a Jesus o título de “rei dos
judeus”. Trata-se
de um “rei” que nasce e morre rompendo todos os esquemas das realezas mundanas:
nasce em uma gruta que acolhia animais e morre numa cruz.
Em
seu nascimento, os Magos vão em busca do “rei dos judeus”. Se estamos falando de um
rei, compreende-se que os magos o buscaram na cidade dos grandes palácios, ou
seja, em Jerusalém. Equivocaram-se de caminho e de lugar, porque o “rei” que
tinha nascido era tão diferente e tão novo que só podia nascer entre os pobres.
O evangelista Mateus não se refere a nenhuma realeza que não seja a de Jesus.
Foram as tradições populares posteriores que, usando muita imaginação,
consideraram os Magos como reis. O evangelista só reconhece um rei, que é
Jesus. Por isso os magos se prostram diante dele e o adoram.
Estamos
celebrando a Epifania, quer dizer “manifestação”. Se o Senhor não se manifestasse,
sua Encarnação não teria chegado à toda a humanidade. Pois bem, a manifestação
de Deus em Jesus tem um alcance universal, está destinada a todos os seres
humanos.
É
interessante que a tradição tenha interpretado que os três magos procediam dos
três continentes até então conhecidos: África, Ásia e Europa. O mago negro
aparece sempre. No Reino de Jesus Cristo não há distinção de raça ou de origem,
não há diferenças nacionais, nem sociais, nem religiosas. Todos são filhos e
filhas do mesmo Pai. Jesus Cristo une todos os povos e todas as pessoas, sem
perder a riqueza de sua diversidade.
Os Magos são aqueles que vieram dos
confins da terra ao encontro do Menino, os estranhos ao povo judeu, os que não
eram da raça do recém-nascido, os afastados. Também para eles nasceu o filho de
Maria. E também a eles deve chegar a boa notícia do Evangelho.
O
Evangelho é para todos os seres humanos porque, mesmo sem saber, todos buscam a
Cristo, já que Ele é o “princípio e modelo dessa humanidade renovada à qual todos
aspiram, cheia de amor fraterno, de sinceridade e de paz” (Vat. II). A partir desta perspectiva, os Magos representam a humanidade em
busca de paz, verdade e justiça. Representam o desejo profundo do espírito
humano, a marcha das religiões, da ciência e da razão humana ao encontro
d’Aquele que se “humanizou” plenamente. Há sempre uma “estrela” na vida de todos indicando o caminho
para a gruta da simplicidade e do despojamento, “lugar” onde se faz visível o
“novo rebento” da vida.
Talvez
a presença da “estrela” no relato dos Magos tenha suas raízes na bonita tradição judaica que diz: quando uma
criança nasce, “acende-se” uma estrela no céu. Por isso no céu há tantas
estrelas. Quando nasce uma criança, acende-se uma luz, um mundo de
possibilidades se abre, um universo pessoal se faz visível no espaço da
comunidade humana.
A estrela, porém, moveu os Magos a que
deixassem de olhar para ela, mas que olhassem antes para o lugar, na Terra, que a sua luz iluminava. Ali havia
uma presença surpreendente que dava sentido a todos os peregrinos desta terra.
Cristo
como “estrela”, é guia dos homens e mulheres, e por isso “desce” à terra. De
fato, a estrela se deteve no presépio, onde estava Jesus. A estrela, portanto, é
Jesus presente no cosmos; logo, o cosmos fala implicitamente de Cristo, embora
sua linguagem não seja totalmente decifrável para o ser humano.
A
Criação inteira desperta no interior de todos uma sintonia com Aquele que, a
partir da gruta, abre seus braços para a todos acolher. Suscita também a
expectativa, mais ainda, a esperança de que um dia este Deus se manifestará
plenamente. A partir de então, as verdadeiras “estrelas” serão as pessoas que
mostrarão o novo caminho para o Deus encarnado.
Para
a Igreja do Oriente hoje é o dia da Natividade, o dia que Jesus se manifestou
como a Luz do mundo, o dia que Deus elegeu para manifestar-se a todos os
homens através da pequenez do filho de Maria.
Como
os Magos, esta cena nos convida a também “cair de joelhos”. E por que
fazer isso? Porque quando aqueles Magos se levantaram já não eram os mesmos.
Ajoelhar-se
pode parecer um gesto servil, mas em ocasiões como esta é um gesto de
humildade. Implica descer do pódio do ego ao qual subimos constantemente, acreditando
ser os melhores, os mais sábios, os mais formosos, os mais perfeitos. De
joelhos pedimos compaixão, ajuda, clemência, compreensão, misericórdia. E
levantar-nos é poder de novo estar de pé, tendo passado pela experiência da
pequenez.
Além
disso, pôr-se de joelhos diante daquele Menino de Belém é abrir passagem à
ternura, à grandeza que não está em saber mais, nem ser mais forte, mas em ser
mais humano, e por isso, profundamente imagem de Deus. E ajoelhar-se diante
daquele menino é deixar-se deslumbrar, despertar o assombro e o encanto.
Quando
entregamos a luz a alguém, parece que tudo em sua vida se torna mais luminoso,
e essa luz se expandirá. Quando alguém recebe sol revela um aspecto mais vital,
mais saudável...; é a isso que nos convida a celebração da Epifania.
Como
Igreja e como cristãos temos de repensar muitas coisas, mas não a partir do
poder (Herodes e Jerusalém), mas a partir da Luz. A revelação, a estrela, estão
no fluxo da história da Igreja e da humanidade; precisamos ativar nossa essa luz
para que ilumine cada situação humana e eclesial. É preciso despertar os
“magos” que nos habitam para sairmos de nossa “normalidade doentia”, de nossos
lugares atrofiados, de nossas visões estreitas... Somos seres de travessia;
quem não se desloca apaga a estrela que o habita.
Esta
festa nos convida a descobrir a epifania não só em nós, mas em tudo e em todos;
ela nos inspira a respeitar e acolher quem pensa, sente e ama de maneira
diferente. Esta festa também nos instiga a viver a cultura do encontro frente à
cultura da indiferença e intolerância que geram tantas rupturas.
Os Magos são sinal da grande missão
cristã, ou seja, da missão do evangelho que se abre como dom a todos os povos e
culturas da terra, não para conquistar ninguém, nem para fazer proselitismo,
nem para destruir outras culturas, mas para oferecer a todos os povos uma
experiência de gratuidade.
Em
um mundo de pobreza e exclusão, marcado por tanto ódio e intolerância, somos
portadores da riqueza de Deus, do amor feito presente... Só podemos encontrar
nossa verdade em Jesus quando entramos na Gruta de Belém, onde encontramos
Aquele que não foi recebido na cidade, mas entre estrangeiros e
margi-nalizados; só O encontraremos quando nos aproximarmos das vítimas de
Herodes, de ontem e de hoje.
Uma
Epifania política, uma Epifania religiosa, uma Epifania social... No centro do
relato dos magos está a oposição do Rei Mau (Herodes) que mata os meninos e
todos os inocentes para poder reinar e os milhares e milhões de “magos e magas”
que, apesar de tudo (apesar de Herodes) continuam buscando a verdade de Deus
nas crianças marginalizadas e nos perseguidos. Por isso os Magos são reis e
rainhas de um modo diferente: pela realeza do coração, pelo mistério da vida (a
luz na noite), pela peregrinação para a verdade que eles encontram em Belém.
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na oração: a mensagem do Evangelho dos Magos é um mapa que nos
mostra o terreno onde pisar na busca, encontro e manifestação do “Emmanuel”,
Deus conosco. E, em versão do séc. XXI: “Deus em nós”.
Ele
é a Luz que brilha em nossa gruta interior.
E
então seremos lamparinas acesas e colocadas no candeeiro para iluminar àqueles
que nos rodeiam.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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