Galileia foi a primeira decisão importante que Jesus tomou no
início de sua vida pública. Uma decisão que foi essencial em sua vida,
porque Jesus permaneceu na Galileia até pouco antes de morrer. Jesus viu
claramente que o melhor lugar em que Ele podia e devia comunicar sua mensagem era precisamente a
Galileia. Assim sendo, é evidente que o lugar de onde fala condiciona o que essa pessoa diz. Não é a mesma
coisa falar de uma cátedra no Templo que da janela de uma casa simples em um
povoado perdido.
“Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela
Galileia” (At.
10,37), dirá Pedro em seu discurso, batizando para sempre a Galileia como lugar
dos começos. Os galileus não viviam preocupados em conservar a memória de
antepassados ilustres ou de veneráveis predecessores; nenhum personagem de peso
tinha marcado aquela região com sua fama; nenhuma tumba patriarcal a havia
convertido em terra sagrada; nenhum profeta ocorreu nascer ali. O pior da
Galileia já havia sido descrito por Isaías quando disse: “caminho do
mar, do outro lado do Jordão, Galileia dos gentios... (8,28). Respiravam ares de
liberdade naquela sociedade mesclada e heterogênea, acostumada ao vai-e-vem das
caravanas do Oriente e de muitos gregos e romanos nas ruas das cidades. Havia
algo de “marginalidade” em uma Galileia refratária a continuar escutando os
discursos, palavras e temas de sempre.
O
fato é que Jesus, para realizar sua missão docente, não se dirigiu à capital,
Jerusalém, nem à importante província da Judéia. Logo após sua decisão, Jesus
foi viver e desenvolver sua atividade, pregar sua mensagem numa região
distante, habitada por humildes camponeses e pescadores pobres, pessoas que,
naquele tempo, eram consideradas uma população sem influência, que não vivia na
abundância e que, ainda por cima, tinha má fama, má reputação. Os “galileus” do
tempo de Jesus não gozavam de especial estima (Jo. 7,52); eram considerados
ignorantes e impuros com os quais se devia manter distância.
Se
efetivamente Jesus queria “evangelizar”, ou seja, comunicar uma “boa notícia” à
sociedade de seu tempo, não buscou conquistar para si os notáveis e as classes
influentes da sociedade, nem procurou os postos de privilégios, nem o favor dos
mais influentes e, muito menos, os que tinham poder e dinheiro. Mais
ainda, quando Jesus tomou a decisão de ir pregar na Galileia, o que na
realidade fez foi dirigir-se a um país governado por um tirano sem escrúpulos
(Herodes) e que não estava disposto a admitir “denúncias proféticas” de
ninguém. Portanto, Jesus foi para esta região ciente de que estava “entrando na
boca do lobo”. Mas nada disso o desviou de seu projeto de ir em busca dos
pobres e dos marginalizados, nem o fez tomar precauções para denunciar as
mazelas dos poderosos de seu tempo.
Por
isso, Galileia é o lugar da luta e compromisso pela vida, o lugar dos excluídos e
desprezados, o lugar do discipulado, o lugar no qual Jesus realizou os gestos
libertadores em favor da vida. Todos sabemos que as “mudanças profundas e
duradouras” na sociedade não vem de cima, mas de baixo, a partir da
solidariedade e da identificação com os últimos deste mundo. Há uma esperança
alentadora que vem das periferias e das margens, daqueles que se empenham por
imprimir um movimento novo à história; neste lugar está a semente na qual Jesus
viu a possibilidade de uma vida diferente, nova e mais promissora.
E
Jesus foi o ponto de partida de uma profunda mudança na história da humanidade.
Foi
na Galileia que Jesus anunciou uma notícia alvissareira: “Convertei-vos,
porque o Reino dos Céus está próximo”; foi na Galileia que Jesus lutou contra os poderes que
atentavam contra a vida; foi ali que Ele abriu novo horizonte de vida a
todos; foi ali que Ele despertou a esperança no coração de cada um: um mundo de
fraternidade, de comunhão, de acolhida, de relações sadias...
O
“Reino de Deus” constituiu o centro da mensagem de Jesus: a utopia que enchia
seu coração, embora nunca explicasse seu conteúdo concreto. Poderia ser
traduzido como o projeto de uma nova humanidade, centrada na vivência da
fraternidade e marcada pela compaixão.
Por
isso, o anúncio de Jesus não é, em princípio, uma exigência moral, nem a
constituição de uma nova religião, com sua doutrina, normas, ritos... O
original na mensagem de Jesus está no chamado a despertar, a tomar consciência
da nossa verdade mais profunda. Dessa compreensão brotará uma atitude e um
comportamento coerentes com o projeto humano – que é o projeto divino – do
“Reino de Deus”.
Galileia
foi também a terra do chamado e do discipulado.
No
evangelho de Mateus, a cena do chamado de Jesus nos introduz na dinâmica da troca de
olhares. A
resposta ao chamado só é possível a partir do olhar inspirador e mobilizador de Jesus,
que consegue ter acesso ao seu oceano interior de cada um e faz emergir as ricas
possibilidades, criatividades, inspiração... Com sua presença instigante,
Jesus desperta, ativa e faz vir à tona o que há de mais humano nas pessoas e o potencializa.
Debaixo das cinzas do cotidiano, encontram-se as brasas da paixão, daquilo que
é mais nobre. Assim aconteceu no encontro e chamado dos pescadores, homens
rudes, mas que carregavam uma nobreza interior; Jesus os desafia a serem mais
humanos. “Farei de vós pescadores do humano”.
“Pescar o humano” é trazer à tona o que de humanidade está escondido ou
atrofiado em cada pessoa; é ajudar as pessoas a viverem com sentido, tirando-as
do mar da desumanização. O chamado-resposta é ocasião para motivar e
buscar a inspiração no oceano interior. Jesus revela a extraordinária
capacidade de “pescar” o maior bem possível do outro, de fazer brotar o melhor
de cada um, sem necessidade de dar-lhe lições ou arrastá-lo com argumentos
racionais.
“Pescar o humano” é extrair a melhor e mais original versão humana de
cada um, garimpar a autêntica qualidade humana no cascalho das limitações e
fragilidades presentes em todos nós. No contexto do chamado-resposta somos
mobilizados a viver a experiência de ter os olhos fixos em Jesus e de nos
sentir olhados por Ele, deixando-nos afetar pela Sua Pessoa, Suas relações, Sua
paixão pelo Reino, Sua missão, Seu chamado...
“Chamado-resposta”
implica, pois, uma troca comprometedora de olhares. O olhar transparente e livre de Jesus e
sua Palavra mobilizadora ressuscitam o nosso olhar tímido e estreito e nos
capacitam a olhar novas realidades: seu povo, seu mundo dividido e excluído...
Seu olhar e sua palavra nos predispõem a encontrar motivações saudáveis e
maduras que nos permitam olhar e viver no contexto atual e plural com amor, com
entusiasmo e criatividade.
Jesus
nos precede com seu olhar, se adianta à nossa necessidade, nos convida e nos desafia a ir mais
além de nós mesmos, destravando nossa estreita vida; em outras palavras, o
olhar de Jesus vai mais além da casca humana para buscar o que é mais nobre e
digno em cada pessoa. Este jogo de olhares é humanizador e não possessivo:
nosso olhar fixo em Jesus e deixar-nos olhar por Jesus.
Uma
vez que levantamos o olhar para Jesus e nos deixamos olhar por Ele, brota a Palavra. Depois do olhar, a Palavra. Depois do
amor, a missão. O olhar de Jesus gera uma atitude de serviço.
Texto bíblico: Mt 4,12-23
Na oração: Ao “fixar seu olhar” em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, seremos
movidos a fazer opções mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de
ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.
-
Sinta-se movido(a) a ser original, criativo(a), audacioso(a) em dar um estilo e
um matiz diferente à principal mensagem de Jesus: a doação ao próximo, o
serviço gratuito, a presença inspiradora em um mundo que interpela a sair das
estreitas fronteiras pessoais.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte:centroloyola.org.br
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