A Quaresma aponta o caminho de uma humanização espiritual e afetiva Reprodução
O convite a todos é para que se engajem na vivência do tempo quaresmal
A
Liturgia da Igreja Católica oferece à humanidade, como interpelação e
convocação, a vivência da Quaresma, com o grande apelo nascido do coração de
Jesus: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. As comunidades de fé, em rede,
ainda mais intensamente, se tornam escolas de espiritualidade comprometidas com
a vida, dom sagrado e inviolável. São quarenta dias para investir,
qualificadamente, no despertar da consciência de cidadãos e de cristãos, à luz
do Evangelho de Jesus Cristo. No ciclo do Ano Litúrgico, a Quaresma possibilita
a experiência de reformar o tecido do próprio coração, revestindo-o do mais
alto e nobre sentido da misericórdia de Deus. Leva à melhor compreensão sobre o
mistério da paixão e morte do Senhor Jesus no horizonte pascal, pela certeza da
vitória da vida sobre a morte, do amor sobre todo ódio. O apelo do Mestre pela
conversão de todos deve ecoar na interioridade de cada pessoa, para que a
humanidade seja capaz de alcançar novas respostas, essenciais à superação de
sentimentos que estão na contramão da fraternidade universal e da
solidariedade.
A
fraternidade universal e a solidariedade são urgentes para fecundar direitos
humanos e resgatar a civilização contemporânea de lógicas perversas, a exemplo
daquela imposta pelo mercado - frio e calculista - e superar sentimentos que
manipulam perigosamente o coração, como preconceitos e a busca por vingança.
Não há discipulado sem conversão diária, profunda, pela aprendizagem de
dinâmicas ensinadas e celebradas durante o tempo quaresmal. O apelo de Jesus,
"Convertei-vos e crede no Evangelho", exige, de cada um, o gesto
humilde de aceitar os limites humanos. Trata-se de passo essencial no caminho
rumo à purificação, para vencer sentimentos que alimentam disputas, vinganças e
indiferenças. A vivência da Quaresma contribui para combater perspectivas que
estreitam o ser humano na mesquinhez, inviabilizando a prevalência do respeito
nas relações.
A
Quaresma aponta o caminho de uma humanização espiritual e afetiva. A sua
vivência contribui para a superação de muitas situações tristes, a exemplo
daquelas em que pessoas capazes de promover importantes iniciativas pela sua
inteligência, competência na gestão de processos, com significativa
participação na história de instituições, se apequenam quando são contaminadas
por sentimentos de apego, mesquinhez ou ingratidão. Oportuno e sábio é acolher
o horizonte indicado por Jesus - buscar a conversão e a vivência do Evangelho.
Trata-se de uma pérola preciosa encontrada no Sermão da Montanha, carta magna
do cristianismo, narrada pelo evangelista Mateus.
Do
quinto ao sétimo capítulo do Sermão da Montanha, dentre outros aspectos,
merecem atenção as referências à prática do jejum, da esmola e da oração, com
propriedades para requalificar a condição humana que facilmente se distancia de
valores e princípios essenciais a uma vida mais equilibrada. O jejum remete o
discípulo a uma conduta contrária ao tratamento soberbo e arbitrário dos bens
da criação, despertando o compromisso social e político para efetivar uma
organização da sociedade onde se respeite e se promova o bem como direito
inalienável de todos. A esmola diz respeito ao sentido da solidariedade como
expressão da nobreza no coração humano, deixando-se incomodar, em todos os
sentidos, pela condição miserável e excludente de muitos irmãos e irmãs. A
oração é a experiência única e insubstituível para alcançar o coração de Deus,
estabelecendo um diálogo com o Pai, educando-se para enxergar o mundo e o
próximo a partir da perspectiva do Criador.
Acolher
a interpelação da Campanha da Fraternidade contribui para bem viver o tempo da
Quaresma. Em 2023, a Campanha da Fraternidade adverte para a grave situação
daqueles que estão no mapa da fome e da insegurança alimentar, sublinhando um
apelo de Jesus Mestre: "Dai-lhes vós mesmos de comer". A palavra do
Mestre interpela seus discípulos a vivenciarem uma nova lógica: a
solidariedade. Sem solidariedade, persistirá o problema da fome, não
solucionado pela hegemonia de outras lógicas e interesses que estão na
contramão de uma adequada cidadania e da genuína vivência do Evangelho. Neste
tempo da Quaresma, sejam acolhidos os apelos do Salvador e Redentor. Promova-se
a lógica da solidariedade cuja raiz está na grandeza da misericórdia de Deus, o
Pai de todos, constituída pelo princípio intocável de que todos são irmãos e
irmãs. O convite a todos é para que se engajem na vivência do tempo quaresmal,
fecundados pelo silêncio da escuta do Evangelho e dos clamores dos pobres.
Todos se atentem para os apelos da Quaresma, nascidos no coração misericordioso
de Deus.
Dom Walmor
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
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