“Quando Jesus entrou em
Jerusalém a cidade inteira se agitou, e diziam: ‘Quem é este homem?’
Jesus participava do sonho de todo o povo de Israel que via em Jerusalém a cidade da promessa de paz e
plenitude futura, lugar da acolhida, ambiente fecundo onde ninguém passaria
fome, pois todos teriam o direito de participar da “grande mesa do pão”. A
tradição profética havia anunciado uma “subida” dos povos, que viriam a Jerusalém
para iniciar um caminho de comunhão e justiça e adorar a Deus no Templo, que
estaria aberto para todos. Toda a cidade se converteria num grande Templo,
lugar da inclusão e da partilha, onde se cumpririam as esperanças dos povos.
Com
sua entrada em Jerusalém, Jesus quis recuperar a cidade como lugar do encontro e da
comunhão, como espaço da paz e da solidariedade..., desalojando aqueles que se
fechavam a qualquer tentativa de mudança. Por isso, seu gesto provocativo e
escandaloso de entrar na cidade montado num jumentinho, símbolo da simplicidade
e do despojamento de qualquer pretensão de poder e força, causou violenta
reação naqueles que se beneficiavam da estrutura política e religiosa da
cidade.
Jesus
entrou em Jerusalém rodeado pelo povo simples. Este povo, escravo e oprimido, o
aclamou porque viu n’Ele uma luz de esperança, de vida, de libertação; escutou
seus ensinamentos e viu seus feitos durante alguns anos; sentiu-se tocado pelas
palavras de vida, de justiça, de amor, de misericórdia, de paz...
Também
viu seus gestos de cura dos enfermos, de defesa dos fracos, de oferta de
alimento aos famintos, de reabilitação dos desprezados, de acolhimento
dosmarginalizados, de denúncia dos opressores...
Jesus
quis continuar anunciando e realizando na cidade de Jerusalém aquilo que fizera
na região excluída da Galiléia; quis também humanizar esta cidade para que ela
fosse sol de justiça e paz para todos os povos.
Esta
é a cidade que Deus deseja: uma praça da alimentação, uma mesa celebrativa para todos. A praça é de todos e todos podem ter
acesso a ela, todos podem circular livremente, criar relações e convivência,
fazendo a experiência de serem aceitos e reconhecidos como humanos.
A mesa, no centro da praça, é lugar de
hospitalidade, de festa e de memória, lugar da partilha do pão e dos frutos da
terra. Ali ninguém passa fome.
Compartilhar
a mesa é o grande símbolo da convivialidade, da reconciliação e da
inclusão. O ritual da mesa rompe as distâncias e garante a proximidade, estabelece o
estreitamento dos vínculos com o diferente. Junto à mesa, cada um se coloca diante do outro,
não importando as diferenças de vida, de opções. A comunhão acontece por meio
de um gesto que não é de poder, mas de esvaziamento, não é de apropriação, mas
de partilha, não é de fechamento, mas de abertura das mãos que acolhem, que
distribuem...
A mesa da refeição se torna lugar de humanização do ser humano. Espaço de
verdadeira reserva de humanidade. Muitos são aqueles que sabem abrir as mãos,
partir o pão, saciar a fome do irmão.
Com
o gesto do “re-partir” se estabelece uma rede de relações entre as pessoas que aceitam conspirar,
co-inspirar, o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma causa.
E
nada fica como estava... encantamento que faz ressuscitar a vida que
já estava morta; refeição que transforma os desertos em mananciais de água.
Fazer
memória da entrada de Jesus em Jerusalém pode ser uma ocasião privilegiada para
transitarmos por nossa Jerusalém interior, um bom espaço onde encontrar a nós mesmos, identificar-nos
com os diferentes persona-gens e sentir-nos parte daquela história. O relato da
Paixão de Jesus revela ser também a história de cada um de nós. Porque, afinal
de contas, é uma história que aconteceu no passado e continua acontecendo
também hoje em nossa interioridade. E é a partir do hoje que nós temos de
vivê-la, numa atitude contemplativa. E é a partir de nós, e não a partir
daqueles personagens de então, que teremos de assumi-la.
Vamos,
então, com Jesus montado num jumentinho, transitar pelas ruas de nossa
Jerusalém interna, reco-nhecendo os diferentes personagens que ali atuam e que
significam diferentes atitudes vividas por cada um de nós. Cada personagem do
evangelho é um espelho onde nos vemos.
Jerusalém não é só uma cidade geográfica, situada na Palestina.
Domingo de Ramos nos motiva a fazer o percurso em direção à nossa Jerusalém
interior. Mas,
para descer em direção a esta cidade é preciso des-pojar-nos da vaidade, do
prestígio e do poder, montado no jumentinho da simplicidade.
Nossa
Jerusalém interior é também lugar das contradições e ambiguidades; ali dentro
experimentamos a trama de relações conflitivas, ali nos deparamos com as
angústias, carências e dúvidas...
É
preciso cuidar o coração da nossa “Jerusalém interior”, esvaziá-lo, limpá-lo,
aquecê-lo, transformá-lo em humilde e acolhedor espaço, para que o Espírito do
Senhor possa aí descer e habitar, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz,
ternura...
É
preciso voltar a pôr o “coração de Deus no coração de nossa Jerusalém”. Faz-se necessária uma opção
corajosa, como Jesus, para entrar e estar no interior de nossa Jerusalém, para
aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa no ritmo dos excluídos,
dos sofredores, dos sedentos.
A Campanha da
Fraternidade deste
ano quer despertar em nós uma sensibilidade solidária com aqueles que são
vítimas de uma estrutura social e política que concentra os bens nas mãos de
poucos, de maneira especial os alimentos. “Fraternidade e fome” denuncia a vergonhosa chaga social dos famintos
em um país que é grande produtor de alimentos. A fome clama aos céus e ressoa
em nosso coração; ela é expressão de uma profunda incoerência dos cristãos que
se dizem seguidores d’Aquele que veio multiplicar os alimen-tos. Estamos muito
distantes das primitivas comunidades cristãs que “tinham tudo
em comum, partiam o pão pelas casas com alegria e simplicidade de coração” (At 2,46).
Nosso
coração deve se revelar como “praça da alimentação”.
O
lema da Campanha da Fraternidade deste ano – “dai-lhes vós mesmos de comer” – nos revela que nosso interior é uma
reserva de “alimentos humanizadores”: compaixão, desejos nobres, dons
originais, criatividade, espírito de busca... São alimentos que plenificam e
dão sabor à nossa vida. É preciso extraí-los e multiplicá-los para que a fome
de sentido e de esperança das pessoas seja saciada. Ninguém tem o direito de
armazenar nos seus celeiros o “trigo” doado por Aquele que é fonte de todo
“alimento salutar”. Afinal, alimento guardado é alimento que apodrece. Vida
partilhada é vida abundante.
“Dai-lhes vós mesmos de comer”: este apelo nos inquieta, ativa
nossa sensibilidade e nos faz ampliar a visão em direção à grande multidão de
famintos, presentes em nossas cidades: famintos de alimento, de proximi-dade,
de justiça, de comunhão, de afeto...
Para
Jesus, uma humanidade constituída por nações, cidades, instituições ou pessoas
comprometidas em alimentar os famintos, vestir os desnudos, acolher os
imigrantes, atender os enfermos e visitar os presos, é o melhor reflexo do
coração de Deus e a melhor concretização de seu Reino.
Esta
é a utopia do Reino; tudo está reconciliado: o cosmos, com a natureza verde e
em paz; os produtos do trabalho humano, da generosidade do mar e da terra; e as
pessoas, numa relação harmoniosa entre elas mesmas e com Deus, sem exclusões,
competições nem privilé-gios. Isto é possível porque todos se deixam afetar
pelo dom do mesmo Reino que cresce já no coração de todos.
Texto bíblico: Mt 21,1-11
Na oração: procure descobrir os sinais do Reino de Deus no meio da
aparente confusão de sua Jerusalém interior: lugar da partilha? espaço aberto e
acolhedor?...
-
Como re-criar, no coração da cidade interior, o ícone da Nova Jerusalém, a
cidade cheia de humanidade e comunhão, o lugar da justiça e fraternidade?
-
Você já parou para pensar na abundância de recursos e nutrientes em seu coração
e que poderia compartilhar com os outros? Em seus celeiros interiores há
abundância de alimentos que humanizam.
- “Diga-me como você habita sua cidade interior e eu lhe direi
como é sua presença no seu espaço urbano”.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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