“...e mostrou-lhes as mãos e o lado;
então os discípulos se alegraram por verem o Senhor” (Jo 20,20)
Este 2º. Domingo de Páscoa revela-se
como o domingo dos dons pascais: o dom da paz, como reconciliação do
Ressuscitado com os seus discípulos; o dom do Espírito Santo que os recria como
seres humanos novos; o dom da missão que os faz continuadores da obra de Jesus;
o dom do perdão como expressão do amor pascal da e na comunidade; o dom da fé
como adesão Àquele que é Vida; o dom da comunidade como lugar visível da
presença do Ressuscitado.
Durante a paixão e morte de Jesus
quase todos falharam: uns fugiram ou se esconderam, outro o traiu, um outro o
negou abertamente, afirmando não ser seu discípulo ou conhecê-lo. Por isso, no
encontro com o Ressuscitado, eles se sentem envergonhados e temerosos. E a
primeira coisa que o Ressuscitado faz é devolver-lhes a alegria da
reconciliação, ativando neles o dom da paz e do consolo.
Além disso, era preciso
reconstruí-los por dentro; por isso, “soprou sobre eles” o dom
do Espírito Santo, recriando-os. Se na criação Deus soprou nas
narinas de Adão tornando-o um ser vivente, agora o Ressuscitado sopra sobre
eles e não só comunica o dom da vida, mas seu próprio Espírito, tornando-os
“homens novos da Páscoa”. E lhes confia a continuidade da missão que o Pai lhe
havia encomendado.
Jesus também é consciente de que,
apesar de tudo, seus amigos continuam sendo homens limitados e frágeis e lhes
deixa o maravilhoso dom do perdão, capaz de reconstruí-los e de
reforçar os vínculos comunitários.
Jesus ressuscitado não criou algumas
estruturas nas quais a nova comunidade pudesse se mover e se organizar. Ele
despertou um dinamismo interno capaz de mobilizar a nova comunidade dos seus
seguidores.
Por isso, o primeiro dia da
semana é o “domingo da comunidade”. Quase todas as aparições pascais
têm lugar na comunidade. Jesus começa por curar e pacificar sua comunidade; uma
comunidade enferma por sua infidelidade, seus medos e covardias; agora, uma
comunidade curada e reconciliada já na primeira aparição. Mas alguém está
ausente da comunidade: “Tomé não estava com eles”. Continua ferido e
enfermo. E a comunidade se dá conta; não o exclui, pelo contrário, o protege. A
comunidade procura integrá-lo, levantando-lhe o ânimo: “vimos o Senhor!”. “Está
vivo; alegra-te conosco!”.
Mas Tomé não acredita neles; também
ele quer ver o Senhor como os outros. Também ele quer ser curado pelo
Ressuscitado. Com suas “feridas”, o Ressuscitado cura as feridas de cada um da
comunidade.
Na segunda aparição destaca-se a
presença de Tomé. Também ele vê; e o que os outros não fizeram, ele consegue
tocar aquelas mãos chagadas. É o único que consegue pôr o dedo na chaga do
lado. Mas terá que estar presente na comunidade.
Tomé não pecou contra Jesus; ele
pecou contra a comunidade, pois não acreditou no testemunho dos seus
companheiros de discipulado. Por isso Jesus o resgata e o faz proclamar
publicamente, na comunidade, sua fé n’Ele, o Vivente. A comunidade agora curada
pela presença do Ressuscitado torna-se comunidade pascal; é a comunidade do
Ressuscitado; é a comunidade do Espírito Santo; é a comunidade da missão e do
perdão; é a comunidade onde o Ressuscitado se faz visível.
Mas, esta nova comunidade
ressuscitada não tem fim nela mesma. O evangelista João cuidou muito da cena em
que Jesus vai confiar sua missão aos discípulos. Ele quer deixar bem
claro o que é o essencial. Jesus está no centro da comunidade, como fator de
unidade e transmitindo a todos sua paz e alegria, quebrando os medos,
consolando-os e confirmando-os como continuadores da missão que Ele tinha
iniciado na Galiléia.
Agora, como Ressuscitado, Jesus os
“envia”; concretamente não lhes diz a quem devem se dirigir, o que deverão
fazer ou como deverão agir. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. A
missão é a mesma que Jesus recebera do Pai: ser presença humanizadora no mundo,
comprometendo-se com os enfermos e chagados, vítimas da situação social e
religiosa de seu tempo.
Os discípulos já tinham visto de quem
Jesus se aproximou, como cuidou dos mais desvalidos, como levou adiante seu
projeto de humanizar a vida, como semeou gestos de libertação e de perdão.
As feridas de suas mãos e seu lado lhes recordam sua entrega radical,
evidenciando que é o mesmo que morreu na cruz. Ninguém pode tirar a verdadeira
Vida que se revela em Jesus. A permanência dos sinais de morte, indica a
permanência de seu amor. Além disso, garante a identificação do Ressuscitado
com o Jesus Crucificado.
Assim como durante sua vida pública
Jesus se fizera presente junto aos feridos, aliviando o sofrimento humano,
agora, como Ressuscitado, continua solidário com todos os crucificados e
chagados da história. Ao mostrar suas chagas para os discípulos, Ele
está dizendo onde eles devem encontrá-Lo: no compromisso com os sofredores e
excluídos, vítimas das estruturas sociais injustas que desumanizam.
Há uma tradição ancestral entre os
japoneses que se refere à arte de recompor vasos quebrados. Quando uma peça de
cerâmica se quebra, os mestres desta arte recompõem-na com ouro, deixando a
cicatriz da reconstrução completamente à vista e sem ocultar as marcas da
quebra; para eles, a peça reconstruída é um símbolo perfeito que alia
fortaleza, fragilidade e beleza.
Os primeiros cristãos também
decidiram conservar e transmitir a história de Jesus sem ocultar as muitas
rupturas, feridas e traições que lhe acompanharam durante sua vida. Podiam ter
adocicado, suavizado ou omitido diretamente os aspectos mais polêmicos ou os
elementos mais humilhantes de seu dramático fim.
Com certeza, teriam evitado
controvérsias e facilitado a aceitação da mensagem cristã. No entanto, não
fizeram isso. Pelo contrário, deixaram as cicatrizes de suas feridas
completamente à vista de todos e sem nenhuma dissimulação. Mas, fizeram isso
não só para serem fiéis à história de Jesus, mas, sobretudo, para mostrar a
fortaleza, a fragilidade e a beleza da reconstrução realizada por Deus na sua
ressurreição.
Convinha mostrar o ouro precioso que
preenche os espaços entre as peças quebradas, as “marcas” de Deus nas
cicatrizes da história.
Também os discípulos estavam
quebrados pelo fracasso, dor, tristeza, desânimo... O Ressuscitado, ao soprar
sobre eles, recompôs com o fio de ouro do Espírito, tudo o que estava quebrado.
Também eles foram ressuscitados e re-construídos em sua essência.
E agora, também eles recebem a nova
missão de recompor pessoas quebradas, machucadas, feridas... com o ouro da
acolhida, da compaixão, da presença solidária. “Recompor o mundo quebrado” expressa
a responsabilidade de todos para curar, reparar e transformar o mundo.
Uma das frases que melhor expressa
este chamado ao compromisso de recompor o que está quebrado é encontrada no
profeta Isaías: “Tu reconstruirás velhas ruínas, erguerás sobre os
alicerces de outrora; e te chamarão reparador de brechas, restaurador de casas
em ruínas” (Is 58,12).
Essa é a razão pela qual, para os
cristãos, o compromisso com a restauração do mundo quebrado é um modo de
atualizar a experiência da ressurreição e de viver a vocação. O(a) seguidor(a)
escuta o chamado de Jesus para unir-se ao trabalho do Deus-Criador que, na
Ressurreição, re-cria e recompõe de novo o tecido da humanidade quebrada.
É escandaloso o fato de muitos que
não conseguem ver nos cristãos a paz, a alegria, a vida renovada; só encontram
intolerância, moralismo, legalismo, ódio, críticas destrutivas... Cristãos que
afirmam ser seguidores do Ressuscitado, mas envenenam seus ambientes e as redes
sociais com o “mau cheiro dos túmulos”.
Texto bíblico: Jo 20,19-31
Na oração: Consolados pelo
Ressuscitado, somos chamados a exercer o ministério da consolação. Trata-se da
consolação de Deus como dom para uma missão, neste mundo carregado de solidão,
enfermidade e exclusão.
- Traga à oração as dimensões de sua
vida que estão quebradas: corpo, memória, afetividade, relações...
- Deixe que o ouro do Espírito
recomponha sua história quebrada para fazer transparecer uma nova obra de arte,
uma vida ressuscitada.
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