“Eis que eu estarei
convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)
Na
dinâmica do Tempo Litúrgico, após uma longa e criativa caminhada com Jesus, a
liturgia nos faz “desaparecer em Deus”, como o Cristo da Ascensão “desapareceu
em Deus”. “Depois de sua paixão, Jesus mostrou-se vivo a eles, com
numerosas provas; apareceu-lhes por um período de quarenta dias, falando do
Reino de Deus” (At
1,3). Tivemos, portanto, 40 dias que nos prepararam para acolher a nova
maneira de presença de Jesus, depois que, segundo nos diz o evangelho, Ele
“ascendeu” ao céu.
O
número 40 aparece com frequência na Bíblia, sempre relacionado com tempos de
experiências vitais profundas, cruciais, fundantes. Algumas vezes, tempo de
caminho incansável, outras vezes, tempo de espera paciente, mas sempre tempos
de busca, preparação, escuta e crescimento pessoal ou comunitário.
Falamos,
então, de tempo (40 dias) e espaço (a ascensão ao céu). Tempo e espaço que, de modo claramente
pedagógico, são utilizados pelo evangelho como meios de preparação para que
possamos amadurecer o nosso processo no seguimento de Jesus Cristo.
Por
tudo isso, é importante que estejamos atentos às últimas palavras que Jesus nos
diz no evangelho de hoje: “Ide, pois, fazei discípulos entre todas as nações, e batizai-os
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Fica claro que Jesus, ao “subir”, coloca seus seguidores em
movimento. “Por que ficais aqui, parados?”, dirá o livro dos Atos.
Portanto,
não percamos tempo; já tivemos o tempo suficiente, 40 dias. Já não há
desculpas. O Senhor não só nos preparou para esse momento, mas promete
continuar ao nosso lado, atuar junto a nós e confirmar a nossa missão de sermos
presenças inspiradas e criativas no mundo. Não fiquemos parados!
Mateus
culmina seu evangelho relatando a despedida de Jesus. Aqui não aparece nenhuma “subida”; o que há é a promessa de uma
permanente presença de Jesus. Mais que uma “subida”, há um “permanecer”, um estar todos os dias, uma
contínua solidariedade. Não há ausência de Jesus, mas um novo modo de presença,
a “d’Aquele que não tinha deixado o Pai ao descer à terra, nem
tinha abandonado os seus discípulos ao subir ao céu” (S. Leão Magno). Por meio do Espírito se realiza este
novo modo de presença. O Espírito faz com que Jesus Cristo, que se foi, venha
agora e sempre de um modo novo. O Espírito não é uma compensação pela ausência
de Jesus, mas o modo como Ele se faz presente. Graças ao Espírito continua a
atividade salvífica d’Ele; graças ao Espírito, as palavras de Jesus se fazem
novas, atuais, presentes.
Os
Onze discípulos retornam à Galiléia; são onze, porque um se perdeu, símbolo do perigo que correrá cada discípulo e
cada comunidade. Eles voltam ao lugar onde tinham experimentado a sedução do
primeiro chamado: “Segui-me e farei de vós pescadores do humano”. Tinham seguido Jesus com
entusiasmo, embora lhes tenha custado muito entendê-lo e, sobretudo no final, o
quão difícil foi superar o trauma de sua morte na Cruz e reconhecer no
Crucificado a plenitude da Vida.
Jesus
lhes indica com toda precisão qual deve ser a missão deles. Não é propriamente
“ensinar uma doutrina”, não é só “anunciar o Ressuscitado”. Sem dúvida, os
discípulos de Jesus deverão cuidar diversos aspectos: “dar testemunho do
Ressuscitado, “proclamar o Evangelho”, “implantar comunidades” ..., mas tudo
está finalmente orientado a um objetivo: “fazer discípulos de Jesus”.
A
festa da Ascensão nos recorda que Jesus não “subiu” fisicamente ao céu. A
Ascensão do Senhor é outra coisa; se “subiu” é porque primeiro “desceu”. Porque
se “humanizou”, fazendo-se servidor, foi “exaltado por Deus” (Fil
2,9). “Quem se humilha, será exaltado” (Mt 23,12). Só a partir desta
atitude é possível compreender a recomendação que Jesus faz a seus
seguidores(as): aquele(a) que quer ser o primeiro, que seja o(a) servidor(a) de
todos.
Subir,
elevar-se, estar acima dos outros, triunfar, conquistar o primeiro lugar... são
expressões que se revelam sempre tentadoras. “Subir” é a aspiração de todo ser
humano no terreno político, laboral, financeiro, esportivo, relacional… Assim
funciona a nossa sociedade competitiva.
Mas, “entre vós não
deve ser assim”, nos
diz Jesus. Quando buscamos as “subidas”, nossas obras serão de morte (ódio,
competição, divisão, indiferença...) e as obras de vida serão esvaziadas; é
preciso viver a “mística da descida”, ou seja, acolher o estrangeiro, atender
ao enfermo, defender o maltratado, perdoar quem nos ofende... Se entrarmos no
“fluxo de descida” de Jesus, nossas obras serão de vida.
Agora,
Jesus nos convoca de novo à Galiléia, à montanha das bem-aventuranças, para nos
confiar outra missão, muito mais exigente: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos”. Não temos de voltar à
Jerusalém, o centro do poder político e religioso, que havia crucificado o
Mestre. O horizonte é agora universal:
“todos os povos”, sem nenhuma discriminação. Encontraremos raças
diferentes, línguas desconhecidas, culturas surpreendentes. Não teremos de
mudá-las, mas iluminá-las com a verdade e a originalidade do modo de ser e
viver de Jesus.
Diremos
só uma palavra essencial: “amem-se”. Amem-se com a riqueza de suas
próprias tradições, com a originalidade de seus próprios costumes e ritos.
Amem-se e conheçam Aquele que nos amou primeiro, que entregou sua vida por
amor. Não translademos a outros povos nossa cultura, não imponhamos nossos
costumes e nossas leis; não preguemos outra lei a não ser o mandamento do
amor, pois muitos a praticam em diferentes formas, iluminados pelo mesmo
Espírito que não se deixa prender por uma instituição ou religião.
E
batizemos “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”: inundemos o mundo do amor da
Trindade santa, comunidade de amor que nos faz partícipes de sua vida divina.
Esta
é a nossa missão: fazer “seguidores” de Jesus para que conheçam sua
mensagem, sintonizem-se com seu projeto, aprendam a viver como Ele e prolonguem
hoje a presença d’Ele no mundo. Atividades tão fundamentais como o batismo,
compromisso de adesão a Jesus e o ensinamento a observar tudo o que Ele
ordenou, são vias para aprender a ser seus discípulos. Jesus nos promete sua
presença e ajuda constante. Não estaremos sozinhos nem desamparados.
Assim
é a comunidade cristã. A força do Ressuscitado a sustenta com seu Espírito.
Tudo está orientado a aprender e ensinar a viver como Jesus e a partir de Jesus.
Ele continua vivo em suas comunidades; continua conosco e entre nós curando,
perdoando, acolhendo... salvando.
É
muito importante a particularidade do ensinamento. Não se trata de ensinar
doutrinas, nem ritos, nem normas legais, mas de ativar uma maneira de proceder.
Isto está muito de acordo com a insistência dos evangelhos nas obras como manifestação da presença
de Deus em Jesus, e como consequência, da adesão a Jesus. Se temos em conta que
o núcleo do evangelho é o amor, compreenderemos que na prática, o amor é o
primeiro que deve se visibilizar em um cristão.
Parece
claro que, na intenção de Jesus, não figurava a ideia de converter todos os
povos, nem que todos eles se integrassem na Igreja católica (parece claro
também que Ele não pensou em fundar nenhuma instituição religiosa). O que
ocupava seu coração era o “Reino de Deus”, um projeto de nova sociedade, caracterizado pela
vivência da fraternidade, fundada na experiência prazerosa de perceber Deus
como “Abba”. Em certo sentido, poder-se-ia dizer que a mensagem de Jesus é
totalmente aberta e inclusiva; nada de suspeitas, moralismos, fundamentalismos
ou pretensão de ser “dono da verdade”. O decisivo é o compromisso com a “vida e vida
em plenitude”.
Texto bíblico: Mt 28,16-20
Na oração: “elevar-nos” a Deus implica “descer” ao chão da nossa
vida: corpo, razão, sentimentos, afetos, desejos... Nossa interioridade clama
por ser “evangelizada”; o apelo de Jesus – “ide e fazei discípulos meus todos
os povos” – têm ressonância em nosso próprio interior: somos “habitados” por
uma “multidão” que se sente à margem e não foi ainda integrada: perdas,
fracassos, crises, vivências não pacificadas, afetos reprimidos, sentimentos
feridos, sonhos não realizados...
-
Caminhe com o Senhor por esta “terra de missão” do seu coração; abraça espaço
para que a boa nova do Evangelho chegue até às raízes mais profundas de sua
vida.
Pe.
Adroaldo Palaoro sj
Fonte: Centroloyola.org.br
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