“A minha alma engrandece o Senhor, e o meu
espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47)
Maria foi assunta ao céu porque desceu ao mais profundo de sua
humanidade e da humanidade dos outros.
A Assunção nos
revela que ela foi humana por excelência; toda sua humanidade foi atravessada
pelo divino: nela não havia resquícios de ego inflado, de vaidade, de busca de
prestígio e poder. Reconheceu-se como “humilde serva” porque desceu ao “húmus”
de sua vida e aí deixou-se conduzir por Aquele que entra na história de cada um
pelo lado da fragilidade, limitação, pobreza... Ela viveu a assunção em todos
os momentos de sua vida, porque se sentia envolvida pela presença
misericordiosa e providente de Deus.
Toda a vida de Maria foi “assumida” por Deus porque ela cuidou da vida,
colocou sua vida a serviço a vida, ativou todos os seus recursos de vida...
Vida aberta, comprometida, vida que se fez visita e se deixou visitar.
Maria “desapareceu” no divino porque mergulhou no humano. Sua
humanidade foi plenificada. Por isso, a Assunção é uma vitória solidária:
nela, todos seremos “assumidos por Deus”. Esta é uma realidade que não
acontecerá apenas no fim dos tempos; é realidade sempre atual: já vivemos em
Deus, n’Ele nos movemos e existimos; Ele nos envolve continuamente com sua
providência, misericórdia e cuidado.
Vivemos, então, em contínuo “estado de
assunção”. Portanto, a Assunção de Maria diz
respeito a todos nós; todos estamos implicados neste mistério; experientamos a
assunção através de dois movimentos:
No primeiro, vivemos
a assunção quando descemos ao mais profundo de nossa humanidade, às raízes de
nossa existência. Há muitos recursos, dons, potencialidades, desejos nobres,
inspirações, beatitudes originais, presentes em nosso interior e que querem
emergir, elevar-se... A assunção começa em nosso interior quando o “que há de divino em nós” se
expande, plenificando e dando sentido à nossa existência. Deus assume tudo o
que é humano em nós e ilumina, plenifica... Nada do que é humano lhe escapa;
Ele nos eleva, nos faz planar sobre suas asas de águia, para ampliarmos nossos
horizontes, nossa visão da realidade... Com sua Graça, desperta e ativa todos
os nossos dinamismos e potencialidades internas.
Quem vive a assunção sonha alto, deseja grande, torna-se criativo e um
eterno buscador. Sua vida torna-se oblativa, descentrada, é movimento de saída
de si... A assunção o faz viver com os pés plantados no chão da vida e da
história e, ao mesmo tempo, o faz transcender, romper fronteiras, ir além de si
mesmo...
Quem não se deixa inspirar pelo mistério da assunção limita-se a uma
vida “normótica”, repetitiva, mecânica, estreita, atrofiada... Perde o sabor da
vida, trava sua criatividade e mata sua capacidade de sonhar.
O segundo movimento
despertado pelo mistério da Assunção é este: a partir de uma interioridade
expandida a pessoa se eleva na direção do outro, através do serviço solidário,
da presença compassiva e do compromisso eficaz na transformação da história. A
assunção move a pessoa a reforçar os laços, alimentar a comunhão, mobilizar a
viver a cultura do encontro; a assunção faz romper fronteiras geográficas,
sociais, culturais, religiosas... conclamando à vivência da fraternidade
universal. Ela abarca a humanidade inteira.
Porque parte do chão da humanidade, a assunção nos humaniza e nos
capacita a criar mediações humanizadoras. Não é possível crer na assunção da
humanidade se nos deixamos levar pela cultura da aparência, do ódio, da
intolerância, da violência...
Quem entra no fluxo desses dois movimentos da Assunção, sente despertar
em si uma profunda gratidão; brota
de seu coração e de seus lábios um novo “magníficat”, onde reconhece a ação
criativa de Deus, em si mesmo, nos outros e na criação... Proclama que Deus
fez, faz e fará maravilhas nele(a), por ele(a), através dele(a)... Vive com
vibração e intensidade porque sente que tudo é Graça, de graça, envolvido pela
graça...
Assim, celebrar a Assunção é entrar no fluxo da gratidão que Maria
canta no seu “magnificat”. É modo de ser e viver inspirado na vida
de Maria; é preciso nos situar de “maneira mariana” diante de nossa história.
“O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu
favor”, é uma exclamação que
Lucas põe nos lábios de Maria para fazê-la nossa e repeti-la com frequência.
Quando algo ou alguém nos emociona, não podemos evitar expressar esse
sentimento. O regozijo não é completo se não o compartilhamos. A experiência
prazerosa de um Deus que é Misericórdia e Santo fez brotar os mais belos salmos
e orações que nos foram legados, cheios de benção e assombro agradecido.
A gratidão perpassa
o Magnificat e é o sentimento mais nobre que brota das profundezas do coração
do ser humano, ao se sentir cumulado de tantos dons.
Todos temos experiência que a nossa história carrega lembranças de
fatos e de vivências negativas: crises, fracassos, rejeições, erros, pecados...
Os desencontros, quebras e rupturas... costumam deixar feridas.
Tudo isso pesa na memória e
continua influenciando negativamente no presente.
Com isso, ela se torna “memória mórbida, doentia”: depósito
de rancores, ressentimentos, hostilidades...; ao se fixar no passado, a
“memória mórbida” alimenta remorsos, sentimentos de culpa, desânimo,
angústia..., embotando a vida, queimando energias, paralisando a pessoa e não
abrindo futuro de sentido.
Pessoa doente na memória é doente no seu coração, na sua afetividade,
nos seus sentimentos...
Se a memória não é “evangelizada”, ela continua remoendo aquilo que
aconteceu, num desgaste muito grande de energia. Não há mudança e conversão se
não houver mudança e conversão da memória.
Somente através da “memória redentora”, a
pessoa é capaz de se colocar diante do passado, de modo livre e aberto,
dando-lhe um novo significado.
A memória sadia não
muda o passado, mas o “recorda” (coloca de novo o coração) de modo novo e
inspirador. A memória resgata
referências, cura feridas, reconcilia-se com a vida e consigo mesma, com as
próprias riquezas e fraquezas, com o próprio passado; ela tem sua função de
lugar santo do louvor e da gratidão, pois ajuda a tomar consciência dos
benefícios recebidos e possibilita ter acesso às recordações não neutras, mas
aquelas que tem um significado para o presente. Ela é capaz de tirar proveito
de todas as vivências pessoais (nada é descartado, tudo é integrado); abre
possibilidade para rever a própria história e lê-la como História de Salvação.
Através da memória pacificada, nossa vida é iluminada, provocada,
sacudida..., para que ela saia do “fatal ponto morto” e entre no movimento
expansivo da Graça.
Ativar a atitude de assombro e gratidão diante do muito que recebemos,
em lugar de viver centrados naquilo que nos falta, tem uma consequência
enraizada em cada um de nós: saber-nos e sentir-nos abençoados nos motiva a
compartilhar o que recebemos; quem é grato(a) deseja corresponder e o serviço
gratuito é a melhor resposta ao amor de Deus, presente em mil formas e
intensidades na nossa vida.
Abrir-nos ao assombro é uma genuína manifestação da humildade que
esvazia toda pretensão de nosso ego inflado e prepotente. A humildade é também
o melhor caminho para ativar a admiração frente às nossas próprias capacidades
ainda adormecidas. Carecemos da “faísca” própria da experiência assombrosa de
sentir-nos amados(as) por um Deus providente e cuidador.
Entremos no movimento vital da Assunção! Sejamos simplesmente humanos!
Vivamos com sabedoria e intensidade, numa atitude de contínuo agradecimento! É
isso que Deus deseja a todos os seus filhos e filhas.
Texto bíblico: Lc 1,39-56
Na oração: Por que canta Maria? A resposta mais bela e mais
óbvia está, talvez, num verso de S. João da Cruz: “Todos os apaixonados cantam!”. Maria
canta porque está apaixonada.
É muito importante notar que a oração mariana por excelência não coloca
em cena ideias, mas fatos. O Senhor realiza maravilhas: nela, nos outros, em cada
um de nós.
- Faça de sua oração um canto apaixonado: louve, agradeça, silencie...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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